"O que diferencia «uma mudança reformista» de «uma mudança não reformista» num regime político, é que no primeiro caso o poder continua fundamentalmente nas mãos da antiga classe dominante e que no segundo o poder passa das mãos dessa classe para uma nova."

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Mãos à obra

O primeiro-ministro incitou os portugueses a serem «menos piegas», a que deixem de «lamentar-se com as medidas de austeridade» e a que deixem de ser «preguiçosos».

E, sempre a incitar – e sempre empolgado, empolgante e didáctico – proclamou que, o que é preciso é, em vez de pieguices, lamentos e preguiças, «lançar mãos à obra», pois só assim será possível «superar a crise».

Há que reconhecer – e registar – os notáveis dotes de observação e a extrema sensibilidade do primeiro-ministro.

Realmente, estes portugueses são uns calões e uns piegas e uns queixinhas de todo o tamanho: em vez de aplaudirem com entusiasmo todas as medidas de austeridade, indispensáveis para superar a crise, protestam e denunciam o facto de elas só serem aplicadas à arraia-miúda; em vez de se sentirem felizes com o aumento do desemprego, indispensável para superar a crise, os preguiçosos clamam trabalho e, para cúmulo, exigem trabalho com direitos; em vez de verem os cortes nos salários, reformas e subsídios como medidas indispensáveis para superar a crise, gritam que estão a ser roubados e chamam gatunos a quem os roubou; em vez de baterem palmas aos aumentos dos bens alimentares e da electricidade e da água e do gás e dos transportes e da saúde e da educação e das rendas das casas, indispensáveis para superar a crise, dizem que isto assim não pode ser; em vez de pedirem «bis» aos cortes dos feriados, o do Carnaval incluído, indispensáveis para superar a crise, assobiam os governantes; em vez de festejarem, gratos, o acordo do trabalho escravo e não pago, indispensável para superar a crise, chamam-lhe terrorismo social e dizem que o Governo é dos patrões; em vez de deitarem foguetes à sábia governação e aos ciclópicos esforços do primeiro-ministro, indispensáveis para superar a crise, gritam-lhe que os deixe em paz e que vá fazer o inferno para outro lado.

Assim sendo, é chegado o tempo de os portugueses, correspondendo ao apelo do primeiro-ministro, lançarem «mãos à obra» de «superar a crise» – para já, enchendo a transbordar o Terreiro do Paço e, logo que possível, despachando a política de direita com bilhete de ida.


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