Entrevista para o “Jornal de Noticias”
Vasco Gonçalves
Pergunta — Para o povo português, para os portugueses em geral, qual é concretamente o significado da medida de nacionalização da banca?
Resposta — Penso que hoje é um dia histórico para o nosso povo. O 14 de Março fica gravado na história do nosso povo, como uma data que corresponde a um passo muito importante dado na sua libertação, na via do progresso, na via do País dominar os seus próprio recursos. Portanto julgo que hoje é um dia de alegria para todos, menos para aqueles que beneficiavam largamente com o sistema anterior vigente.
Pergunta — O que significa esta nacionalização da banca privada, para o nosso povo?
Resposta —Significa que o dinheiro desse mesmo povo, depositado nos bancos, vai deixar de servir para especulações fraudulentas de uma minoria privilegiada, para operações não em benefício de um grupo minoritário, operações essas feitas sobretudo dentro dos seus próprios interesses; vai passar a servir as verdadeiras necessidades do povo, no desenvolvimento da agricultura, da indústria, do comércio interno e externo. O Estado fica com possibilidades de orientar a política de crédito concretamente. Fica com a possibilidade de aumentar o crédito para aqueles sectores onde ele é mais necessário, para o desenvolvimento global do nosso País.
Quanto aos depósitos, a população, a pequena burguesia, os quadros, que estejam alerta contra as manobras da reacção. Mais uma vez chamo a atenção para isso. Que estejam alerta, pois que a reacção agita agora um novo papão que é o de que o Estado fica com os depósitos dos depositantes. Isso é uma mentira, para o que é preciso uma vigilância popular constante. E a prática demonstra absolutamente o contrário. O Estado nacionalizou recentemente o Banco Nacional Ultramarino e o Banco de Angola e depois os homens que depositavam o dinheiro nesses bancos, perderam porventura o seu dinheiro? De maneira nenhuma. Já alguém teve dificuldades em levantar o seu dinheiro nesses bancos que foram nacionalizados? Queria acrescentar ainda, como o caso mais flagrante, o caso do BIP — Banco Intercontinental Português. O Estado, na eminência daquela instituição bancária ir falir de uma maneira fraudulenta, escandalosa e criminosa, tomou conta do BIP. Pois bem: o Estado já lá meteu, depois de ter tomado conta do banco, um milhão e oitocentos mil contos, para defender os depósitos dos depositantes. Para garantir o cumprimento do pagamento do levantamento dos depósitos do BIP, o Estado já lá investiu aquele dinheiro.
Penso que hoje os depositantes têm muito mais garantia, porque não só vão tirar o juro dos seus depósitos, como têm a consciência de que o dinheiro que lá depositaram vai contribuir para desenvolver Portugal, no sentido progressista, no sentido global de todos os portugueses e não de minorias privilegiadas. É, por isso, que digo que hoje deve ser um dia de alegria, mas também de vigilância, de desmascaramento imediato e claro de todos aqueles que procuram agitar mais uma bandeira, mais um papão, contra a nossa revolução. Agora, nacionalizámos a banca, uma velha aspiração do povo português, pois bem; mas logo aparecem estes criminosos boateiros que devem ser identificados e desmascarados imediatamente, esses criminosos boateiros que vêm dizer que a gente vai prejudicar o nosso povo, vamos tomar conta dos bancos e não se sabe para onde vai o dinheiro dos depositantes. O dinheiro dos depositantes é dos depositantes. O Governo Português e o Movimento das Forças Armadas têm honrado todos os compromissos, mesmo à custa de situações difíceis para as nossas finanças. Tem cumprido aquilo que os bancos não cumpriram. Se nós deixássemos falir o BIP, os depositantes desse banco tinham perdido milhões de contos lá enterrados.
Mas este dia (que foi um grande dia para Portugal), não significa que de um dia para o outro a vida dos portugueses vá mudar. Não se transformam sistemas políticos, económicos e sociais, com varinhas mágicas ou de condão. De maneira nenhuma. Um futuro duro temos à nossa frente. Vamos ter de o enfrentar. Vamos ter novas dificuldades porque aqueles que não estão interessados na nacionalização da banca portuguesa vão mover-nos novos ataques a todos os níveis, externo e interno. O povo português tem de se preparar para uma vida dura, para uma vida de sacrifícios, mas são sacrifícios feitos em seu próprio benefício. Espero que este exemplo da nacionalização da banca mostre bem que o Movimento das Forças Armadas deseja concretizar — firmemente concretizar — os passos do seu programa. A nacionalização da banca é o seu primeiro passo firme e irreversível daquela alínea que diz: uma política anti-monopolista ao serviço das classes mais desfavorecidas do País.
Mas não é fácil aplicar esta política. Ela é difícil, não só no ponto de vista técnico — vai-nos trazer muitos problemas agora — como também no ponto de vista político e no ponto de vista social. A reacção procurará atacar-nos mais nesta frente e nós teremos que nos defender. Por isso eu digo que duros dias tem o povo português a viver. Mas é preciso passar por esses duros dias, por esses sacrifícios para que se possa construir um futuro auspicioso para os seus filhos, para as suas famílias, para os seus vindouros. Nada se faz sem sacrifícios. Todos os grandes projectos históricos foram feitos com sacrifícios das gerações que neles se empenharam e nós temos que nos empenhar neste nosso processo histórico.
Pergunta — Parece que uma das tarefas, muito importante, neste momento, é exactamente desfazer os boatos. Isto é, atacar a reacção que quer diminuir a importância dessa nacionalização. Com esta nacionalização, que importância o Estado vai já poder dispor, através da contribuição de todos os portugueses para maiores obras, para tudo o que for necessário?
Resposta — É claro que eu não tenho na cabeça o volume dos depósitos nos bancos. Mas a nacionalização significa primeiramente isto: que os depósitos dos portugueses vão ser postos ao serviço da economia portuguesa. Vão ser canalizados para a indústria, para a agricultura, para o comércio, para as pequenas e médias empresas e mesmo porventura para grandes empresas, porque uma economia necessita de empresas a diversos escalões. Simplesmente, passa o Estado a saber para onde esse crédito é canalizado. Esse crédito não vai ser canalizado para emprestar aos amigos, para emprestar por simpatias, ou para despesas supérfluas, ou para despesas de luxo, para comprar mais automóveis, para compras a prestações absolutamente inúteis. Esse crédito vai ser canalizado, sobretudo, para investimento reprodutivo, para o combate ao desemprego, para a manutenção das empresas em dificuldades e das quais possam resultar problemas de desemprego.
Pergunta —Isto significa, muito concretamente, que a banca privada não estava a corresponder ao esforço que o Pais exigia neste momento?
Resposta — Evidentemente que a banca privada não estava a corresponder a este esforço. A banca até estava interessada em que a revolução de 25 de Abril fosse esmagada.
Pergunta — Isto foi exactamente a forma melhor e mais concreta de se poder eliminar todo esse boicote económico que prejudicava as pequenas e médias empresas, como os cortes de crédito, etc.?
Resposta — Isto é um primeiro passo para dominarmos a nossa economia. Se não dispusermos do domínio do crédito, não dominamos uma economia. Mas isto não significa que nós vamos nacionalizar toda a economia portuguesa. Que vamos acabar com a iniciativa privada. De maneira nenhuma. O que a iniciativa privada agora tem é a garantia de que se de facto for posta ao serviço dos interesses do povo português, dos interesses globais das suas economias, essa iniciativa privada tem agora a garantia de que será apoiada de uma maneira que não o era anteriormente porque nessa altura entravam factores muito subjectivos, factores de interesses particulares, factores dos interesses dos grandes grupos, etc., em toda a distribuição do crédito. Hoje, com uma política honesta e justa, de distribuição do crédito, será canalizada para a iniciativa que de facto corresponda a benefícios para a nossa Pátria, a benefícios para o nosso povo. É claro que esses benefícios não são observados logo no dia seguinte, imediatamente. A gente quando investe — até há ditados portugueses sobre isto — está a trabalhar para o futuro, não vê imediatamente os resultados. Uma pessoa, quando está a investir, está, por exemplo, a construir uma fábrica, está a empregar gente para construir a fábrica, mas essa fábrica ainda não está a produzir os seus produtos, ainda não está a deitar para os mercados aquilo que virá a deitar daí a dois ou três anos, enfim, segundo o tempo que ela leve a construir, que os equipamentos levem a ser colocados em condições normais de laboração. Por isso, é preciso ver isto bem. A nacionalização da banca não é uma varinha de condão que toque a todos os portugueses imediatamente, melhor nível de vida. Não. Ela é o sinal do início que nós queremos que a economia do País seja posta ao serviço do povo português.
E, portanto, a médio e a longo prazo, vamos tirar benefícios, mesmo até a prazos imediatos. Mas não vamos ficar com o País completamente transformado só com esta acção. Há uma série de acções que são depois o corolário desta acção de nacionalização da banca. O que é preciso é ter firmeza suficiente, convicção, amor à Pátria, capazes de suportar os sacrifícios que uma decisão destas implica. Porque esses sacrifícios são postos ao serviço do futuro desta mesma Pátria. São postos ao serviço de uma melhor vida para os portugueses. Melhor vida que não lhe podemos dar amanhã, mas lha daremos no mais curto período a que isso puder conduzir. E isso depende, sobretudo, do trabalho dos portugueses, da compreensão do que significa esta medida. Esta medida significa que agora, nos bancos, o dinheiro é controlado pelo Estado Português, é controlado por um Estado Democrático. É controlado por um Governo Democrático e, portanto, este dinheiro vai ser posto ao serviço de Portugal e não ao serviço de uma minoria de privilegiados. E os frutos do dinheiro estar ao serviço do povo, do País, hão-de ser colhidos. Mas para isso é preciso que o povo compreenda bem que não é com varinhas mágicas ou de condão, que essas coisas são resolvidas, e o povo tem compreendido isso.
Este nosso povo é o mesmo povo que o Fernão Lopes escrevia nas suas crónicas em 1383 e 1385. Um povo que se batia pela independência nacional, um povo que sai imediatamente para a rua quando sente que a revolução está em perigo; um povo que se une às Forças Armadas, para defender as conquistas no combate à reacção. Que se sacrifica, que se dispõe a morrer por essa luta, pela luta do futuro da sua Pátria. Ora esta medida da nacionalização das empresas está absolutamente integrada nesse futuro que desejamos radioso na nossa Pátria.
É uma das lutas que o povo terá hoje de fazer, é a de desmascarar imediatamente todos esses caluniadores e boateiros que pretendem, agora, que criámos qualquer situação que vai prejudicar os legítimos detentores dos depósitos dos bancos. Não, de maneira nenhuma. É que, enquanto antes, uma pessoa depositava o dinheiro, ele era utilizado de harmonia com os interesses de meia dúzia de privilegiados, hoje a pessoa depositando o dinheiro vai ser utilizado de harmonia com os interesses da nossa Pátria.
Os portugueses contribuirão, assim, efectivamente, pela sua poupança, no investimento que há-de trazer uma vida melhor no ponto de vista económico, cultural e social, à nossa Pátria.
Pergunta — Que repercussões internacionais haverá com a nacionalização da banca?
Resposta — Eu não sou adivinho. Tenho passado aqui o dia a trabalhar, não li ainda nada da imprensa internacional, mas evidentemente que ela terá de ter boas referências, como terá más referências. Há gente que está interessada em que a revolução portuguesa caminhe num certo sentido e há outra que está interessada em que caminhe no sentido contrário. Isso influencia as opiniões, os pareceres, as ideias que vão surgir na imprensa internacional sobre as medidas agora tomadas. Aliás, devo dizer que a própria França, no pós-guerra, em situação de certo modo parecida com a nossa, teve, também, que nacionalizar a sua banca, se quis dominar o crédito, se quis dominar a reconstrução.
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